Eu sou a mãe… E quando os filhos vão para casa do pai?

Após uma separação/divórcio existe uma fase de adaptação e de (re)descoberta para todos os elementos envolvidos (pais e filhos).

Muitas mães partilham a sua dificuldade em estar sozinhas, sem os filhos, quando estes ficam em casa do pai. Nessas alturas, principalmente numa fase inicial pós-divórcio, experimentam sentimentos de solidão, frustração, revolta, injustiça, entre outros, acabando por não saber passar esse tempo sozinhas (tempo esse que muitas vezes parece interminável…), permanecendo num grande sofrimento.

Nessas alturas em que as mães estão sem os filhos, e de forma a poderem passar melhor esse tempo:

1. Evitem o autocriticismo e a auto-culpabilização: a separação/divórcio não é, por si só, traumatizante para as crianças. Aquilo que pode marcar mais negativamente o desenvolvimento e o bem-estar das crianças são as dinâmicas que existiam antes do divórcio e após o divórcio, sendo fundamental que, mesmo separados, os pais consigam manter uma relação cordial e de cooperação. O mais importante é os filhos sentirem os pais bem e disponíveis para eles.

2. Aprendam a gostar e a aproveitar o “me time: há muitas coisas que nunca teriam a oportunidade de fazer com a presença dos filhos. Façam planos, identifiquem coisas que gostariam (e precisam) de fazer e que podem concretizá-las no tempo em que os filhos não estão.

3. Não se culpabilizem, gostar do “me time” não é sinónimo de egoísmo: só porque gostam de estar sem os seus filhos e conseguem ser felizes nesses momentos, não significa que sejam menos boas mães. É muito importante que as mães se sintam bem, que façam o que gostam e se sintam realizadas. Só assim poderão ter disponibilidade psicológica e emocional para lidar com os desafios da educação dos filhos e de uma coparentalidade saudável. E quando os filhos veem os pais felizes, eles próprios são mais felizes e adaptados.

4. Sejam flexíveis na gestão de agendas: por vezes surgem imprevistos ou situações/oportunidades de última hora, pelo que quando o pai pede para que a mãe fique com os filhos, mesmo não sendo “a sua vez”, sejam flexíveis. Assim, quando for a vez das mães para pedir essa alteração, poderão ter mais facilmente essa disponibilidade por parte dos pais (ou não… mas nesses momentos há que lembrar que é o interesse e o bem-estar das crianças que deve falar mais alto, além de que nada deve impedir de ter a atitude certa).

5. Aproveitem o tempo em que têm os filhos em casa: juntos ou separados, há pais que têm pouco tempo para estar com os filhos (por razões profissionais, por exemplo). O mais importante é aproveitar o tempo que têm com eles, em vez de se lamentarem e de ficarem a antecipar a ansiedade e o sofrimento que poderão sentir quando forem para casa do pai. Além disso, as relações afetivas próximas e positivas entre pais e filhos constroem-se numa base diária, através das rotinas e das mais pequenas coisas, pelo que nunca desperdicem a oportunidade de proporcionar experiências e memórias positivas aos filhos.

6. Lembrem-se que o pai é importante para os filhos e que, juntos, podem trabalhar em equipa: independentemente do tipo de relação e de proximidade que os filhos tinham com o pai antes da separação/divórcio, todos os filhos merecem e precisam de ter o carinho e o acompanhamento de ambos os pais. Quanto melhor os filhos estiverem com o pai, mais descansada e confiante poderá ficar a mãe, podendo também aproveitar melhor o seu tempo e investir em si mesma, no seu bem-estar.

Parentalidade após o divórcio (2)

O tipo de experiências repetidas proporcionado pelas figuras de vinculação à criança tem impacto no seu desenvolvimento e da sua personalidade, na medida em que vai influenciar a construção da imagem de si própria e do mundo, a regulação das emoções e o desenvolvimento de competências cognitivas, de autoconfiança e de resolução de problemas, entre outras. A qualidade da relação e da interação da criança com a figura parental, e consequentemente a qualidade do vínculo, é influenciada por diversos fatores, nomeadamente pelo ambiente familiar, pelas características individuais da criança e dos pais, entre outros.

O desenvolvimento da criança não é linear, pelo que o que é adequado e importante assegurar hoje, não é necessariamente o mais ajustado daqui a um ou dois anos. O tempo da criança não é o tempo dos pais. E o tempo de cada um dos pais também difere.

A separação/divórcio é um dos maiores causadores de stress e de sofrimento na vida de uma pessoa. É importante que cada um tenha oportunidade de fazer o seu luto, de se adaptar à nova condição, de se reorganizar. São processos individuais e dolorosos e muitas vezes implicam o recurso a ajuda profissional, sendo fundamental que pai e mãe respeitem o processo de luto um do outro, adotando uma atitude de cooperação no que respeita aos filhos. No caso de se decidir por uma residência alternada, é fundamental que haja a confiança e o apoio um do outro para que os cuidados à criança sejam prestados por ambos os pais de forma adequada, cada um à sua maneira, na sua casa. Além disso, é necessário não esquecer o processo de luto da criança, que também tem o seu próprio ritmo e especificidades, sendo fundamental que se sinta segura, amada e protegida por ambos os pais.

O exercício da parentalidade em contexto de conflito é dificultada principalmente pela carga emocional negativa existente entre os pais. Se não tivessem filhos em comum, a separação/divórcio podia implicar um corte definitivo entre ambos, não havendo necessidade de falar um com o outro novamente (a partir do momento em que o processo de divórcio ficasse resolvido). No entanto, havendo filhos em comum, esse corte definitivo, e assumindo que o melhor para a criança é continuar a ter ambos os pais na sua vida, o ex-casal tem necessariamente de manter uma relação. Relação esta que deverá ser exclusivamente motivada pelas responsabilidades parentais e pela relação pai-filhos/mãe-filhos. A dificuldade é não permitir que a carga emocional negativa, que agora é menos tolerável do que quando tinham um projeto de vida em conjunto, interfira na relação parental que deverão manter. Os pais divorciam-se, mas as crianças não se divorciam dos pais, passando a ser o (único) elo de ligação entre ambos.

Parentalidade após o divórcio (1)

Quando os pais se separam, a definição do modelo de residência alternada ou conjunta deve ter em consideração diversos fatores. Não há UM modelo ideal, sendo que, seja qual for o modelo definido, deverá garantir o bem-estar da criança. Este “bem-estar” implica o sentimento de segurança e de amor incondicional por parte da mãe e do pai, independentemente do tempo que passam juntos, não tendo que se ver “obrigada” a ter de escolher um em detrimento do outro. Seja qual for o modelo, o importante é que a criança se sinta protegida e amada por ambos os pais e tenha a liberdade para poder relacionar-se com cada um, sem que isso traga inseguranças, sentimentos de culpa, conflitos de lealdade, entre outros sentimentos negativos.

Idealmente, todas as crianças deverão ter a possibilidade de ter contacto e de crescer com o pai e a mãe, sendo estes responsáveis pela proteção e pelo desenvolvimento dos filhos. O exercício da parentalidade implica a criação de vínculos e de relação com os filhos, sendo os pais e a família alargada, como um todo, responsáveis pela estruturação psicossocial da criança (através dos seus valores, princípios, cultura familiar). Cada ser humano, cada criança, além da parte biológica, tem uma herança relativa às experiências vividas no contexto familiar e que vai influenciar a formação da sua própria personalidade, a sua capacidade de se relacionar com os outros, de comunicar, de tomar decisões, de enfrentar ou gerir as adversidades.

O processo de separação/divórcio representa para a criança uma experiência muito stressante a curto, médio e longo prazo. Os filhos querem ambos os pais nas suas vidas, querem sentir-se amados, seguros e protegidos. Não é o divórcio ou a rutura em si mesma que determina as alterações nas crianças, mas sim as variáveis que acompanham a rutura familiar e que continuam a atualizar-se na dinâmica que se cria posteriormente. Uma situação de separação/divórcio implica uma mudança estrutural na família, fazendo surgir um conjunto de emoções, pensamentos e crenças que necessitam de ser geridas, quer pelos pais, quer pela criança. As mudanças que surgem não são só as que são visíveis, como a habitação e bens materiais, sendo também necessário haver a integração e aceitação de uma nova estrutura e conceito familiares.

Falhas ou ruturas do contexto conjugal e familiar conduzem ao aparecimento de situações conflituosas entre os adultos que, inevitavelmente, acabam por afetar a criança. O importante é não esquecer quais são as verdadeiras necessidades da criança e não permitir que o contexto ex-conjugal interfira negativamente com o contexto parental e o contexto paterno-filial. Na verdade, deixa de existir um casal, uma relação conjugal, mas havendo filhos, para o bem destes, deverá manter-se uma relação parental saudável e colaborante e respeitar a necessidade de preservar os vínculos afetivos estruturantes da criança, de forma a assegurar o seu desenvolvimento psíquico e emocional saudáveis.

 

Quando termina uma relação

“A consequente torrente de mudanças que se segue a uma separação é mais difícil de tolerar se vier acompanhada de acusações, sentimentos de impotência, rejeição ou de fracasso. Quando apostamos em acentuar as nossas diferenças, os nossos defeitos e fraquezas ganham uma luz inusitada. Daí a tornarmo-nos nos «ex» em permanente conflito vai um passo. Rancor, recriminações e ira obscurecem e põem em perigo o nosso objectivo inicial de cooperação (…).

Quando uma relação se desfaz as emoções podem tornar-se intensas e avassaladoras. A capacidade de julgamento das pessoas pode ficar afectada por causa destas emoções fortes. (…) Os pais dominados pelas emoções podem igualmente assustar os filhos, pôr em risco a possibilidade de terem uma relação funcional com o outro progenitor, visando a educação dos filhos, e atrasar significativamente o seu divórcio emocional. (…) Perceber os seus sentimentos e os seus efeitos pode ajudá-lo(a) a fazer algo de construtivo a partir desta mudança radical na sua vida. (…)

À semelhança de uma ferida física, o processo de cura faz-se por fases. Para começar, as feridas têm de ser limpas, como deve ser, e tratadas para evitar complicações. Isto é doloroso, mas tem de ser feito para que a cura possa começar e a força possa regressar. O processo completo de cura pode ser mais rápido ou mais lento e as recaídas podem ser um punhado ou em grande quantidade. Novos golpes podem voltar a abrir estas feridas e provocar ainda maior estrago. A duração está dependente da forma como cuida de si, da informação que tem e do seu empenhamento para consigo e com os seus filhos. (…)

(…) Identificar as capacidades que o podem ajudar a sarar as feridas provocadas pela crise da separação ou divórcio pode revelar-se muito útil para si mais tarde.”

 

Referência: “Casa da Mãe, Casa do Pai – Construir dois lares para os seus filhos”, Isolina Ricci (2004), pp. 102-103.