Em busca da Felicidade (1) – “A Felicidade é algo que se multiplica quando se divide”

Fui desafiada a ir à Escola Básica e Secundária de Ermesinde fazer uma palestra sobre felicidade e bem-estar, dirigida a alunos de 12º ano. Foi com grande alegria que, ao entrar na escola, dei de caras com uma grande faixa que dizia “A felicidade é algo que se multiplica quando se divide”.

Vivemos numa era em que a informação se propaga a uma velocidade incrível, “torna-se viral”! É impressionante como tudo o que é mau se espalha depressa. É impressionante como os meios de comunicação dão mais facilmente notícia daquilo que é desgraça, do que daquilo que corre bem. É impressionante como é isso que capta mais facilmente as audiências (aparentemente).

Há uns tempos, ao percorrer uma conhecida página online de um canal televisivo de notícias português (que não o CM!) deparei-me com o facto de as primeiras notícias em destaque serem todas negativas (sobre guerras, desgraças climáticas, corrupção, troca de insultos entre políticos, violência ou outros crimes…). Foi preciso percorrer 16 títulos de notícias até chegar a um cujo conteúdo era pela positiva… Só à décima sétima é que veio uma notícia de algo positivo… Felizmente, hoje o exercício não foi tão deprimente, pois estamos numa altura em que é necessário informar os portugueses de assuntos importantes, como sobre a entrega da declaração de IRS ou sobre os candidatos dos vários partidos políticos para as listas das próximas eleições legislativas (apenas informar, sem escrutinar…), pelo que há todo um conjunto de títulos de pendor mais neutro, se quisermos (é claro que podemos sentir algo negativo ao perceber que a devolução do IRS não vai ser como esperávamos, ou ao perceber que determinado nome proposto por determinado partido traz uma data de complicações e de questões eticamente ou moralmente reprováveis…).

O que quero dizer com isto é que, como as emoções contagiam, os meios de comunicação social têm um impacto incrivelmente grande no bem-estar do público. Ouço constantemente coisas como “o mundo está doente”, “esta nova geração está perdida”, “o futuro é sombrio”, “é só desgraças”, “ninguém se preocupa com o próximo”, “vai-se andando”, “tudo na mesma”… E podia ficar aqui infinitamente, “coitadinhos”…

Mas toda a gente procura o mesmo. Perguntei aos jovens com quem fui refletir sobre felicidade o que queriam ser como adultos, que tipo de adultos gostariam de ser? E foram respondendo: quero ser bem sucedido, ter uma vida boa, ser feliz; quero ser estável, “ter saúde mental”, ter amigos e família por perto… Quem não?

E o que posso “tomar” para ser feliz? Decisões.

  • Posso decidir que conteúdos ler/ver, escolhendo aqueles que me acrescentam, que me fazem sentir bem, que me fazem crescer, que me dão energia e motivação;
  • Posso decidir estar presencialmente presente com as pessoas de quem mais gosto, sem ecrãs a distrair;
  • Posso decidir aproveitar as coisas boas da vida, como ir até praia ou andar de bicicleta;
  • Posso decidir empenhar-me mais para atingir os meus objetivos;
  • Posso decidir investir tempo em coisas que me fazem bem à saúde, como fazer exercício físico ou uma dieta saudável;
  • Posso decidir ir votar, para contribuir para a escolha dos governantes que considero serem mais capazes de liderar os destinos do nosso país;
  • Posso decidir não dar tempo de antena a personalidades que só propagam a maledicência;
  • Posso decidir não partilhar conteúdos digitais que desinformam ou induzem em erro;
  • Posso decidir dedicar uma parte do meu tempo a ajudar alguém;
  • Posso decidir contribuir para o bem-estar dos que me estão mais próximos…

E as decisões implicam escolhas e mudanças.

A felicidade não é um estado constante. Assenta numa base evolutiva, pelo que é importante irmos definindo metas e objetivos que nos possam orientar nesse caminho, com altos e baixos, avanços e recuos. É então importante que haja um equilíbrio entre o prazer imediato e um prazer mais a médio/longo prazo, inerente ao significado e ao propósito que procuramos. O prazer imediato é importante e ajuda a motivar e a seguir em frente, mas não chega por si só. É importante apreciar o caminho até chegarmos à meta, ao objetivo, construir tendo em vista um bem maior, valorizar o processo e não apenas o resultado. Assim, é então fundamental diversificarmos as fontes de prazer e satisfação, ora mais imediatas, ora mais a médio/longo prazo, sendo crucial, neste último caso, gerir a frustração e saber esperar. Ser feliz é ainda contribuir para o bem-estar dos outros e da comunidade, porque a qualidade das nossas relações dita a nossa qualidade de vida!

E a mudança tem de partir de dentro de cada um de nós!

Afinal, o que é o Amor?

O amor pode ser definido como um conjunto de diferentes emoções positivas, como alegria, interesse, contentamento, experienciadas no contexto de relações próximas e seguras, embora também se tenha que admitir que não há amor sem sofrimento. Trata-se de um sentimento composto e complexo que vai muito mais além do simples impulso romântico, envolvendo aspetos psicológicos, neurobiológicos e sociais. Não é então de admirar que o amor não seja aquele estado permanente de entusiasmo, de felicidade, de leveza a que muitas vezes se associa o amor romântico, mas antes uma construção dinâmica, intencional e contínua que requer esforço e dedicação constantes de ambas as partes.

A neurociência explica que o amor não é apenas uma construção social, mas um fenómeno bioquímico complexo. Neurotransmissores como a occitocina, a dopamina, a serotonina, o cortisol determinam a nossa experiência emocional, criando circuitos neuronais que influenciam os nossos vínculos afetivos. Esta compreensão científica não diminui a magia do amor. Pelo contrário, ajuda-nos a apreciar a sua profundidade e complexidade.

O amor é um processo que envolve múltiplas dimensões, não se tratando apenas de atração física ou paixão ardente, mas também de compromisso, cuidado mútuo e intimidade profunda. Queremos estar perto, sentirmo-nos seguros e protegidos e, quando nos separamos, sofremos. Esta vinculação (uma ligação profunda) é essencial para o compromisso e para a satisfação na relação, e um compromisso forte leva a mais intimidade. Por sua vez, o cuidado mútuo é fundamental em todos os tipos de relacionamentos (amizade, família, amor romântico). Significa que estamos atentos às necessidades do outro, com a esperança de que também faça o mesmo por nós. A vinculação e o cuidado reforçam-se mutuamente, fazendo com que nos sintamos cada vez mais próximos. E esta proximidade fortalece a vinculação, que, por sua vez, nos faz cuidar ainda mais do outro.

Aliado a este cuidado, a empatia contribui também para a interdependência relacional. E a confiança e o respeito desempenham igualmente papeis complementares e essenciais na construção de relacionamentos duradouros e satisfatórios, nomeadamente na intimidade, no comprometimento e na vinculação.

Conexão, respeito, confiança e atração são fatores que, embora possam atuar de forma independente, quando um deles é enfraquecido pode afetar negativamente os outros e o amor em si. Da mesma forma, o fortalecimento de um destes fatores influencia positivamente os outros e o amor.

O amor romântico é, então, dinâmico e, para se manter vivo, requer um investimento significativo de ambos os elementos do casal. Vai mudando conforme os acontecimentos, as circunstâncias e o ambiente em que o casal vive, bem como conforme reage a essas mudanças de forma positiva ou negativa. Ou seja, a forma como o casal lida com os desafios que surgem pode fortalecer ou enfraquecer cada um dos componentes do amor. Se estes componentes (atração, conexão, respeito, confiança) faltarem, o amor enfraquece ou até desaparece.

O amor verdadeiro constrói-se nos pequenos gestos do dia-a-dia, pelo que não são os grandes presentes ou as declarações profundas que sustentam um relacionamento, mas sim a gentileza diária, o respeito mútuo e a capacidade de escuta efetiva. É nestas pequenas interações, é quando escolhemos pô-las em prática, que o amor se fortalece e se renova.

Vivemos tempos de grandes revoluções interpessoais e que impactam muito na forma como os casais se relacionam e vivem o amor. A era digital que se impõe atualmente traz desafios inéditos, nomeadamente o facto de a ligação online permanente aproximar e distanciar simultaneamente as pessoas, criando novas dinâmicas nas relações. Enquanto constroem uma vida partilhada, as pessoas procuram manter a sua individualidade, procuram prazer pessoal e satisfazer as suas próprias necessidades. Procuram um equilíbrio entre dependência (relacional) e autonomia e tentam gerir expectativas românticas num mundo de opções aparentemente infinitas. Assim, o amor é uma arte, mas também uma ciência, e exige consciência, trabalho e compromisso. Não é algo que acontece por acaso, mas uma decisão que se toma todos os dias, no sentido de nos ligarmos ao outro, de o respeitarmos e de crescermos juntos. É importante olhar para o amor não só como um sentimento, mas como um conjunto de ações e gestos (pequenos, mas importantes) que contribuem para a atração, a conexão, o respeito e a confiança.

Acredito que, ao compreendermos e aceitarmos a complexidade do amor, podemos construir relacionamentos mais fortes, resilientes e satisfatórios. Num mundo muitas vezes marcado pela superficialidade e pelo imediatismo, a cultura do amor profundo, comprometido e duradouro é uma fonte de alegria e de realização incomparáveis. É uma construção em que vale a pena investir, pois acaba por ser uma obra1 grandiosa e que tem impacto, não só no crescimento e bem-estar individual de cada um, mas também da sociedade em geral.

1Palavra de origem latina e que indica o resultado de uma ação ou do trabalho de um ou mais autores (no âmbito das letras, ciências ou artes) e, quando considerada a melhor produção, é uma obra-prima (https://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/obra).

Referências:

Tobore,T. O. (2020) Towards a Comprehensive Theory of Love: The Quadruple Theory. Front. Psychol. 11:862. doi: 10.3389/fpsyg.2020.00862

Fredrickson, B. (2021) The Role of Positive Emotions in Positive Psychology: The Broaden-and-Build Theory of Positive EmotionsAm Psychol. 2001 March ; 56(3): 218–226

“You make me feel…”

Sobre a música “(You make me feel like) A Natural Woman, de Aretha Franklin

Esta música icónica, cantada pela rainha do soul, reflete um dos pilares fundamentais de um relacionamento saudável: a capacidade de sermos nós mesmos ao lado de alguém, sem máscaras ou pretensões, e de nos podermos apoiar nessa pessoa.

É tão bonito ouvir que a música toca em pontos tão importantes como:
1. Autenticidade: A capacidade de ser quem realmente somos junto ao nosso par.
2. Reconhecimento: A gratidão expressa ao outro pelo seu papel positivo na nossa vida.
3. Transformação positiva: Como um amor verdadeiro pode ajudar-nos a florescer e a sentirmo-nos mais conectados com a nossa própria natureza.
4. Segurança emocional: O sentimento de conforto e de pertença que um relacionamento saudável proporciona.

A mensagem da letra desta música (engrandecida pela melodia em si) pode ser uma ode aos relacionamentos duradouros, refletindo a importância da capacidade de nos sentirmos aceites e valorizados pelo que realmente somos, criando um ambiente de apoio mútuo onde ambos podemos crescer individualmente e como casal. A música começa por descrever um estado de espírito anterior ao amor, um sentimento de estar perdida, sem direção. Entretanto, a descoberta do amor permite um despertar, uma renovação. Não é apenas sobre sentir-se amada, mas sobre como esse amor permite que a pessoa se sinta genuinamente ela mesma, uma “mulher natural”. Esta é uma das mais belas expressões do que um amor verdadeiro pode fazer: permitir-nos ser nós próprios e livres nessa expressão de autenticidade.

Tal como diz a letra, não é sobre o que “tu me fazes ser”, mas sim como “tu me fazes sentir”. Ou seja, a essência da pessoa já existe e o amor apenas ajuda a redescobri-la e a voltar a conectar-se com ela.

O amor verdadeiro e comprometido permite crescimento pessoal e autodescoberta, é um amor que liberta e fortalece, em vez de nos fechar em nós próprios.

Esta música é uma celebração do amor!

As três entidades do Amor: cuidar do Eu, do Outro e do Relacionamento

A importância de cuidar de si próprio, do outro e do relacionamento é fundamental para a saúde emocional e para a longevidade do casal. Ao falar de relacionamentos, identificamos três entidades essenciais: a pessoa, o seu par e o relacionamento em si. Cada uma destas requer atenção e investimento para que a dinâmica amorosa se mantenha saudável e resistente às adversidades.

O primeiro passo é cuidar de si mesmo. Cada elemento do casal deve reconhecer as suas próprias necessidades emocionais e físicas, reconhecer as suas potencialidades e também os aspetos a melhorar, procurando crescimento pessoal e autocuidado. Para isto, é necessário desenvolver autoconhecimento que, não só melhora o bem-estar individual, como também fortalece a capacidade de contribuir para a relação.

Cuidar do outro implica estar atento às suas necessidades e sentimentos. O compromisso de ouvir, apoiar e validar as experiências do outro é fundamental e proporciona uma conexão mais profunda. É importante que cada um se sinta seguro para expressar as suas vulnerabilidades, se sinta amado e valorizado, sabendo que o outro está ali, disponível para escutar e para oferecer suporte.

Por último, cuidar do relacionamento como uma entidade própria envolve dedicar tempo e esforço para alimentar a conexão entre o casal através, por exemplo, de momentos de qualidade juntos, de comunicação aberta, da predisposição para resolver conflitos de maneira construtiva. É fundamental que ambas as pessoas se comprometam a zelar pela “saúde” do relacionamento, que pode ser comparado com um organismo humano, composto por um conjunto de sistemas interligados. Cada um desses sistemas — como a comunicação, a expressão de emoções e a resolução de conflitos — desempenha um papel essencial na manutenção do bem-estar do casal.

O compromisso mútuo em cuidar e investir nestas três áreas — em si mesmo, no outro e na relação — é o que permite que um casal resista às dificuldades. Assim como o corpo humano requer cuidados constantes para funcionar adequadamente, o relacionamento também precisa de atenção regular para crescer de forma saudável. Quando ambos os elementos do casal se dedicam a cuidar da sua própria saúde emocional e física, bem como a apoiar o bem-estar do outro, criam um ambiente propício ao crescimento e à felicidade mútua. Além disso, é importante que priorizem também o relacionamento e lhe dediquem tempo (tal como na carreira profissional, para se evoluir e crescer no relacionamento é preciso tempo, dedicação e aprendizagem; se não se faz este investimento e priorização, o relacionamento estagna ou até perde valor e significado).

Finalmente, é importante reconhecer que o tempo e o ritmo de cada um podem não coincidir. Às vezes é um que está mais disponível ou motivado para puxar pela relação, outras vezes é o outro. O importante é que ambos estejam dispostos a cuidar um do outro e também a permitir que o outro cuide deles. Esta reciprocidade é vital para fortalecer a segurança e os laços emocionais e para garantir que o relacionamento resista às adversidades. Assim, cada pessoa deve assumir a responsabilidade pela sua parte nesta equação e, ao cuidar ativamente destas três entidades, os casais constroem uma base sólida para um amor duradouro e significativo.  É nesta dedicação mútua que assenta a verdadeira essência dos relacionamentos: a capacidade de crescer juntos, de enfrentar desafios lado a lado e de celebrar cada pequena vitória com gratidão.

 

“Ouvir verdadeiramente é amor em ação”

 

Scott Peck enfatiza a importância da escuta ativa nos relacionamentos, especialmente no casamento. Sugere que ouvir verdadeiramente implica concentração total e um esforço consciente para compreender o outro. Este tipo de escuta vai além do simples ouvir das palavras, envolve compreender as emoções e as intenções por trás delas.
Quando um casal consegue praticar uma escuta profunda e atenta, isso pode levar a um maior entendimento mútuo e a uma maior conexão emocional. No entanto, este tipo de comunicação eficaz requer prática e dedicação de ambos os elementos do casal.

“Ouvir verdadeiramente, ter total concentração no outro, é sempre uma manifestação de amor. Uma parte essencial de ouvir verdadeiramente é a disciplina dos parênteses, prescindir temporariamente ou pôr de lado os nossos preconceitos, quadros de referência e desejos, por forma a entrar tanto quanto possível no interior do mundo do outro, pondo-nos no seu lugar. Esta unificação do orador e do ouvinte é, na verdade, uma extensão e um engrandecimento do Eu, e traz sempre consigo novos conhecimentos. Além disso, como ouvir verdadeiramente implica os parênteses, um pôr de lado do Eu, também envolve temporariamente uma total aceitação do outro. Ao sentir esta aceitação, o orador sentir-se-á menos vulnerável e cada vez mais inclinado a abrir ao ouvinte os recantos mais íntimos da sua mente. À medida que isto vai acontecendo, o orador e o ouvinte começam a apreciar-se cada vez mais um ao outro, iniciando-se de novo o dueto de dança do amor. A energia exigida pela disciplina dos parênteses e a focagem de total atenção é tão grande que só pode ser conseguida por amor, pela vontade de se prolongar pelo desenvolvimento mútuo. (…)

Dado que ouvir verdadeiramente é  amor em ação, não existe para ele lugar mais adequado do que no casamento. No entanto, a maior parte dos casais não se ouve verdadeiramente um ao outro. Consequentemente, quando casais nos procuram para aconselhamento ou terapia, uma das tarefas principais que nos incumbem para que o processo seja bem-sucedido é ensiná-los a ouvir. Não é pouco frequente falharmos, já que a energia e a disciplina envolvidas são mais do que as que estão dispostos a gastar ou a submeter-se. Há casais que ficam surpreendidos , e até horrorizados, quando sugerimos que, entre as coisas que devem fazer, é conversar um com o outro por marcação. Parece-lhes rígido, sem romantismo e sem espontaneidade. No entanto, ouvir verdadeiramente só pode acontecer quando se reserva tempo para o fazer e se criam condições de suporte. Não acontece quando as pessoas estão a conduzir, a cozinhar, cansadas, ansiosas por dormir, ou podem ser facilmente interrompidas, ou estão com pressa. O «amor» romântico não exige esforço e os casais sentem-se frequentemente relutantes em empreender o esforço e a disciplina do amor e do ouvir verdadeiros. Mas quando e se o fazem, os resultados são enormemente gratificantes.”

Transcrição de “O caminho menos percorrido” de M. Scott Peck, pp. 118-119

A importância dos rituais de ligação na vida do casal

Os relacionamentos são uma jornada contínua e dinâmica de conexão e reconexão, são como uma dança que alterna momentos de proximidade e distanciamento, revelando simultaneamente complexidade e harmonia. Não sendo bailarina, imagino que seja como dançar o tango, uma dança apaixonante, intensa, por vezes com passos de grande proximidade entre o par, outras vezes com passos mais individualizados ou até de perseguição, mas sempre revelando pontos de contacto e de ligação, não perdendo de vista o seu par e a coreografia, tendo a música como um guia. A coreografia poderá ser o projeto de vida a dois, podendo por vezes necessitar de algum improviso, de ajustes de um e/ou de outro, de apoio mútuo, sendo também necessário um treino prévio (fase de namoro), para se conhecerem, ajustar expectativas, alinhar objetivos e perceber se o par se encaixa de forma harmoniosa. A música será a vida, umas vezes mais calma, outras mais intensa, umas vezes relaxante, outras inquietante, ou umas vezes harmoniosa, outras desconcertante…

Todos os relacionamentos oscilam entre a necessidade de segurança emocional e a busca por novidade e é através dos rituais de ligação que podemos equilibrar esses desejos aparentemente contraditórios.

Pequenos gestos diários, como um beijo de despedida antes de sair para o trabalho, uma mensagem ou telefonema na hora do almoço, ou um momento de partilha ao final do dia, ajudam a construir uma base sólida de segurança. Estes ou outros rituais regulares proporcionam consistência e previsibilidade e, ao saberem que há um momento dedicado ao casal, independentemente das circunstâncias, reforça a ideia de que o relacionamento é uma prioridade, reduz a incerteza e fortalece a confiança mútua. Além disso, estes rituais, por muito pequenos que sejam, constituem momentos em que os elementos do casal estão totalmente presentes um para o outro, a ouvir ativamente e a mostrar interesse genuíno um pelo outro. Pequenos gestos de carinho, como um bilhete amoroso deixado na mesa ou um abraço ao final do dia, são ainda rituais simples que expressam apreciação e dedicação, servindo como lembretes constantes de que o outro é valorizado e amado, fortalecendo a base emocional do relacionamento.

Por vezes os casais queixam-se de monotonia, estagnação, ou de estarem presos nas rotinas diárias, em “piloto automático” (que é como quem diz, “falta salero” nesta dança). De facto, a segurança que os rituais trazem, podem trazer também esse revés, pelo que é importante lembrar que os rituais de ligação permitem simultaneamente a redescoberta e a novidade na relação, mantendo-a viva e estimulante, permitindo que o casal se veja um ao outro sob novas perspetivas e continue a descobrir-se ao longo do tempo. Para isso, é importante incorporar novos elementos nos rituais existentes ou criar novos rituais que possam trazer uma “lufada de ar fresco” ao relacionamento, como por exemplo variar o restaurante “do costume”, experimentar uma atividade nova, ou quebrar a rotina com um almoço a meio do trabalho. Explorar (novos) interesses em comum permite ao casal explorar novas facetas de si mesmos e do outro. Esses momentos criam novas memórias e permitem que o casal se redescubra em diferentes contextos (porque não umas aulas de tango, ou uma atividade desportiva em conjunto?). Além dos rituais regulares, pequenos atos de espontaneidade, como um convite inesperado para uma escapadela a dois, ou uma mensagem carinhosa enviada ao longo do dia, podem trazer uma sensação de excitação e surpresa, ajudando a quebrar a rotina e a introduzir uma dose saudável de novidade na relação.

Os rituais de ligação são como os passos de uma dança de tango, trazem dinamismo e movimento à relação, ora proporcionando a segurança de um abraço apertado, ora permitindo a emoção de uma volta inesperada. Ao equilibrar estes dois elementos, segurança e novidade, os casais podem construir uma relação plena e duradoura, onde ambos se sentem comprometidos, seguros e continuamente inspirados a redescobrir o amor, mesmo em alturas de maior adversidade. Os rituais são ainda um lembrete da escolha que fizeram, dizendo um ao outro que o escolheram para dançar neste bailado que é a vida.

P.S. – Este texto foi escrito ao som de música “The best of tango” através do youtube. 🙂

Texto escrito para o Blog do Pausa para Sentir – https://www.pausaparasentir.pt/blog/a-importancia-dos-rituais-de-ligacao-na-vida-do-casal

Conversas que curam: como discutir de forma construtiva

As pessoas são muito diferentes umas das outras. Muitas das pessoas importantes para nós têm formas diferentes de pensar, de comunicar, de reagir, de decidir, de lidar com o conflito, de lidar com o desafio, de mostrar preocupações, de perseguir os seus objetivos… E ao lembrarmos-nos disto percebemos porque é que é tão fácil surgirem desentendimentos, discussões ou conflitos, mesmo com as pessoas que nos são mais próximas e que mais amamos.

Perante a palavra conflito, é comum que as pessoas a associem a algo negativo, que gera discórdia, afastamento e sentimentos menos agradáveis. No entanto, nem todos os conflitos são prejudiciais. Na verdade, alguns podem mesmo trazer mudanças positivas, crescimento pessoal, descoberta de novas soluções e melhorias nos relacionamentos. Os conflitos são inevitáveis e até saudáveis, fazem parte das interações e das relações humanas e é a forma como são geridos e resolvidos que determina os seus resultados e impactos. Em vez de os evitar, é importante aprender a lidar com os conflitos de forma construtiva.

Assim, tendo em conta uma relação de casal, não é expectável que sejam imunes e ausentes de conflitos, tensões, divergências. Todos os casais discutem! Há casais que têm um elevado grau de conflito, que se deparam com grandes divergências (quer nas pequenas, quer nas grandes questões), que podem até ter um estilo de comunicação mais “aceso”, mas não é isto que vai ditar uma eventual rutura ou separação. Assim como há casais que, aparentemente, estão de acordo em tudo, raramente discutem, parecem viver numa sintonia e harmonia “ensurdecedoras”. E quando nos deparamos com um conflito, normalmente pensamos e pressionamos-nos para encontrar uma solução. Mas e quando não há uma solução possível? Na verdade, muitos dos problemas que geram conflito num casal não têm uma solução e acabam por permanecer no tempo. Por exemplo, questões relacionadas com incompatibilidades com as famílias de origem um do outro, desejo de ter ou não ter (mais) filhos, características individuais mais vincadas, por vezes provenientes da própria história de vida de cada um, são algumas situações que podem gerar problemas e conflitos no casal, não sendo possível encontrar uma resolução consensual (uma situação “ganha-ganha”, pois um dos elementos do casal “ganha” e o outro “perde”). Nestas situações, é então fundamental gerir o conflito/problema, e não resolvê-lo (porque não tem solução).

Alguns dos sinais que indicam que estamos a gerir uma discussão ou conflito de forma negativa, não funcional, e tendencialmente destrutiva são:

  • Interações e sentimentos predominantemente negativos, contribuindo para um aumento da escalada de tensão e para a personificação do problema, adotando posturas de acusação e menos centradas no problema. Estas posturas levam um ou ambos os membros do casal a apresentar, por exemplo, elevação no tom de voz (e outras ativações fisiológicas, como a aceleração do batimento cardíaco), desrespeito, desconsideração pelo outro, falta de compreensão das necessidades e sentimentos do outro, falta de empatia, desenvolvendo uma visão negativa do outro e do próprio relacionamento.
  • Elevado criticismo e desvalorização do outro, realçando apenas aquilo que o outro tem de negativo, através por exemplo de insultos, críticas pessoais, ataques à dignidade, o que proporciona uma perspetiva redutora e negativa do outro, em vez de se forcar na resolução do problema.
  • Atitude defensiva, negando qualquer tipo de responsabilidade na situação e centrando culpas no outro.
  • Desprezo, adotando uma postura de superioridade ou de menosprezo em relação ao outro (sarcasmo, insultos, inferiorizar o outro).
  • Desistência ou desligamento emocional, na medida em que se verifica ausência de qualquer tipo de afeto positivo durante o conflito, ignorando as tentativas de aproximação e de conexão emocional apresentadas pelo outro (“virar costas”).
  • Incapacidade para travar a escalada de tensão, apresentando dificuldade na regulação da impulsividade/reatividade, quer em si próprio, quer no outro.
  • Incapacidade para aceitar a influência do outro.

É importante discutir “bem”, com qualidade, de maneira que o conflito tenha um carácter construtivo e funcional, ou seja, que proporcione crescimento individual e/ou em casal, que permita evoluir e não destruir o casal.

Os casais mais felizes e funcionais abordam os problemas de forma calma e respeitosa e têm em conta a dimensão emocional, não ignorando as emoções mais difíceis e dolorosas.

Perante questões difíceis ou problemas, algumas estratégias que ajudam os casais a discutir com qualidade e de forma mais construtiva são:

  • Escolher o momento e o local adequados para abordar o assunto, assegurando que ambos se sentem disponíveis, seguros e à vontade para expressar e explorar as suas emoções mais profundas, as suas necessidades e preocupações, com calma e sem medo de críticas ou julgamentos.
  • Comunicar de forma clara e assertiva, falando na primeira pessoa (“eu sinto…”, “eu preciso de…”), transmitindo assim o que sente e quais as suas necessidades, evitando um tom de crítica e de julgamento em relação ao outro.
  • Escutar o outro e validar os seus sentimentos, adotando uma postura de “bom ouvinte” (mesmo que discorde) e deixando de lado a sua própria agenda (as suas necessidades, as suas emoções), verificando se está a receber bem a mensagem que lhe está a ser transmitida, por exemplo, reformulando aquilo que ouviu e perguntando se foi isso (preocupações, medos, anseios) que o outro quis transmitir.
  • Deixar-se influenciar pelo outro, evitando a rigidez (em que cada um fica na sua posição e mantém os mesmos argumentos) e mantendo o respeito um pelo outro, aceitando as diferenças de cada um e confiando que cada um quer o melhor para o outro, separando o problema da essência da pessoa.
  • Prevenir a negatividade na interação, evitando a escalada de tensão, procurando comunicar de forma consistentemente positiva.
  • Ter a capacidade de reparar a interação, diminuindo a escalada de tensão, por exemplo pedindo desculpa por algo que tenha dito de forma menos adequada, reformulando, procurando regular-se emocionalmente para que possam tentar novamente discutir o problema e lembrando o verdadeiro sentido da discussão (que não é para magoar o outro).

As discussões e os problemas no casal, sendo geridas de forma mais construtiva, proporcionam maior autoconhecimento (individual e do casal – sobre as suas preocupações, os seus medos, os seus sonhos, os seus valores), podendo surgir novos entendimentos, novas estratégias para gerir situações mais difíceis e, acima de tudo, maior intimidade e proximidade. Isto é possível, não só desenvolvendo afetos positivos durante os conflitos, mas também fora deles, na relação em geral. Na verdade, tal como defende o psicólogo John Gottman, é fundamental que o casal vá contribuindo para uma “poupança emocional” para que, em momentos mais difíceis, possa recorrer às suas reservas, sendo de evitar que o seu saldo de afetos positivos fique “a zeros”.

Concluindo, é bom discutir, mas com qualidade! E a terapia de casal pode ser uma ferramenta valiosa para superar desafios e fortalecer o vínculo, sendo um tempo e um espaço do e para o casal, onde podem ser discutidas e trabalhadas estratégias que contribuam para o seu crescimento. Finalmente, há um novo espaço para uma “Pausa para Sentir”, onde os casais poderão usufruir de acompanhamento especializado e personalizado, num ambiente acolhedor e com uma equipa de profissionais dedicada! Venham conhecer-nos!

 

(Texto escrito para o Blog do “Pausa para Sentir”, publicado a 25 Maio 2024 – https://www.pausaparasentir.pt/blog/conversas-que-curam-como-discutir-de-forma-construtiva)

Ser ou não ser vulnerável?

Todos os dias trabalho com vulnerabilidade; com a minha e com a das pessoas que me procuram profissionalmente.

Tal como escreveu Carlos Tê e cantou Rui Veloso, “A tua pequena dor / Quase nem se quer te dói / É só um ligeiro ardor / Que não mata / Mas que mói.”

Quantas vezes não vamos olhando para as nossas “dores” desta forma? “É uma dor pequenina / Quase como se não fosse”… E vamos interiorizando que não é nada de especial e que há tanta gente com problemas piores… E assim vamos bloqueando as nossas emoções e guardando a nossa “dor” só para nós – e a música continua: “Não exponhas essa dor / É preciosa é só tua / Não a mostres tem pudor / É um lado oculto da lua.”

Muitas vezes partilham comigo que não gostam de mostrar vulnerabilidade, ou porque é um sinal de fraqueza, ou porque se sentem demasiado expostos. A vulnerabilidade é mesmo isto, aquilo que de mais puro temos em nós, as nossas emoções, os nossos medos, as nossas preocupações, os nossos desejos, os nossos sonhos. Estamos vulneráveis quando estamos despojados de todas as nossas defesas e nos abrimos completamente aos outros e a nós mesmos. E é preciso coragem para nos encararmos a nós próprios e também aos outros e às circunstâncias que a vida nos traz. Isto é sinal de fraqueza?

Ser vulnerável não é ser fraco, é ser puro e honesto comigo mesmo e com os outros. A melhor forma de lidarmos com a vulnerabilidade é percebermos e conhecermos o lugar onde estamos emocionalmente, o que estamos realmente a sentir e para onde queremos ir. Como as emoções são informação, elas dizem-nos o que é importante para nós e do que é que precisamos. A tristeza procura consolo/conforto quando há uma perda. O medo/ansiedade procura segurança quando há perigo. A raiva procura segurança (estabelecimento de limites) ou assertividade quando a pessoa se sente atacada ou posta em causa. A culpa procura reparar os erros/danos ou pedir desculpa quando há alguém magoado.

Ao sermos vulneráveis escolhemos a verdade, escolhemos olhar no fundo do ser (de nós próprios e dos outros), escolhemos relações de proximidade e de confiança.

Eu sou a mãe… E quando os filhos vão para casa do pai?

Após uma separação/divórcio existe uma fase de adaptação e de (re)descoberta para todos os elementos envolvidos (pais e filhos).

Muitas mães partilham a sua dificuldade em estar sozinhas, sem os filhos, quando estes ficam em casa do pai. Nessas alturas, principalmente numa fase inicial pós-divórcio, experimentam sentimentos de solidão, frustração, revolta, injustiça, entre outros, acabando por não saber passar esse tempo sozinhas (tempo esse que muitas vezes parece interminável…), permanecendo num grande sofrimento.

Nessas alturas em que as mães estão sem os filhos, e de forma a poderem passar melhor esse tempo:

1. Evitem o autocriticismo e a auto-culpabilização: a separação/divórcio não é, por si só, traumatizante para as crianças. Aquilo que pode marcar mais negativamente o desenvolvimento e o bem-estar das crianças são as dinâmicas que existiam antes do divórcio e após o divórcio, sendo fundamental que, mesmo separados, os pais consigam manter uma relação cordial e de cooperação. O mais importante é os filhos sentirem os pais bem e disponíveis para eles.

2. Aprendam a gostar e a aproveitar o “me time: há muitas coisas que nunca teriam a oportunidade de fazer com a presença dos filhos. Façam planos, identifiquem coisas que gostariam (e precisam) de fazer e que podem concretizá-las no tempo em que os filhos não estão.

3. Não se culpabilizem, gostar do “me time” não é sinónimo de egoísmo: só porque gostam de estar sem os seus filhos e conseguem ser felizes nesses momentos, não significa que sejam menos boas mães. É muito importante que as mães se sintam bem, que façam o que gostam e se sintam realizadas. Só assim poderão ter disponibilidade psicológica e emocional para lidar com os desafios da educação dos filhos e de uma coparentalidade saudável. E quando os filhos veem os pais felizes, eles próprios são mais felizes e adaptados.

4. Sejam flexíveis na gestão de agendas: por vezes surgem imprevistos ou situações/oportunidades de última hora, pelo que quando o pai pede para que a mãe fique com os filhos, mesmo não sendo “a sua vez”, sejam flexíveis. Assim, quando for a vez das mães para pedir essa alteração, poderão ter mais facilmente essa disponibilidade por parte dos pais (ou não… mas nesses momentos há que lembrar que é o interesse e o bem-estar das crianças que deve falar mais alto, além de que nada deve impedir de ter a atitude certa).

5. Aproveitem o tempo em que têm os filhos em casa: juntos ou separados, há pais que têm pouco tempo para estar com os filhos (por razões profissionais, por exemplo). O mais importante é aproveitar o tempo que têm com eles, em vez de se lamentarem e de ficarem a antecipar a ansiedade e o sofrimento que poderão sentir quando forem para casa do pai. Além disso, as relações afetivas próximas e positivas entre pais e filhos constroem-se numa base diária, através das rotinas e das mais pequenas coisas, pelo que nunca desperdicem a oportunidade de proporcionar experiências e memórias positivas aos filhos.

6. Lembrem-se que o pai é importante para os filhos e que, juntos, podem trabalhar em equipa: independentemente do tipo de relação e de proximidade que os filhos tinham com o pai antes da separação/divórcio, todos os filhos merecem e precisam de ter o carinho e o acompanhamento de ambos os pais. Quanto melhor os filhos estiverem com o pai, mais descansada e confiante poderá ficar a mãe, podendo também aproveitar melhor o seu tempo e investir em si mesma, no seu bem-estar.